terça-feira, 18 de outubro de 2016

História Arquivada - Julgamento: Talon













Candidato: Talon
Data: 23 de Agosto, 21 CLE

OBSERVAÇÃO

Talon adentra o Grande Salão com ansiedade cautelosa, seu olhar firme à sua frente. Os desavisados talvez o considerem descuidado, mas a seus observadores perspicazes é evidente que Talon está infinitamente ciente de cada detalhe de seus arredores.

Apesar de seu foco afiado, a mente de Talon não está ali. Ele se apressa em direção às portas duplas massivas ao final do saguão e as observa impassivamente. Seu propósito está muito além da Câmara da Reflexão. O que está dentro dela é uma distração necessária, mas não chega a ser um obstáculo. Lâmina em mãos, ele entra sem pausa.

REFLEXÃO

Talon estava no chão, seu rosto contra as rachaduras cheias de sujeira entre os paralelepípedos negros. O mundo entrou em foco em torno dele um pedaço de cada vez – primeiro o fedor do esgoto, depois os gritos abafados de “pare, ladrão”, e por fim as paredes do beco sem saída, suas quinas repletas de podridão fétida.

Ele não precisava de mais nada para identificar sua localização. Ele conhecia este beco – e as favelas de Noxus – muito bem.

Talon se virou sobre suas mãos e joelhos. Seus braços e pernas, desengonçados e escurecidos de sujeira, ardiam e sangravam de arranhões recentes. Os gritos se aproximavam, vindo em direção a ele. “Encontrem aquele menino!”

Talon observou seus arredores, suprimindo seu pânico. Seus olhos encontraram o que parecia ser uma tábua de madeira apodrecida, parcialmente coberta de lixo e sujeira, no canto escurecido do beco. Com a pouca rapidez que conseguia, Talon fugiu em direção a ela, agarrando a tábua podre e a puxando de lado. Sob ela, uma pequena abertura levava ao inferior da parede do beco e para as profundezas escuras. Em um movimento ágil e doloroso, Talon se torceu para cair pra dentro da abertura e deslizou a tábua de volta ao lugar.

Ele pressionou as costas contra uma parede suja e lamacenta enquanto os sons emudecidos da confusão vinham do lado de fora de seu esconderijo. Ele permaneceu absolutamente quieto até seus perseguidores dispersarem, seus passos indo embora e seus resmungos se esvaindo.

Talon tentou recobrar a respiração. O ar úmido que ele puxava para seus pulmões fedia a ratos e esgoto. Conforme o surto de adrenalina o deixava, ele sentiu a fraca dor da fome e, mais forte, raiva.

“Onde o Kavyn estava,” ele resmungou para si mesmo, olhando para a escuridão.

O plano era simples. Seu alvo era um vendedor de frutas cujo carrinho ficava no limite do mercado. Kavyn daria o sinal e, enquanto Talon levava o que podia, Kavyn criaria uma distração para que ele pudesse escapar. Ele tinha visto o sinal, mas momentos depois, enquanto enchia sua sacola com frutinhas de Kumungu, ele chamou a atenção de metade do mercado. E pior, ele perdera a sacola em sua fuga frenética pela favela.

Não tendo ganha nada além de um estômago doendo brutalmente de fome, Talon fervia de amargura.

Talon se virou e começou a engatinhar passagem abaixo. Pouco depois, seus dedos e joelhos se cobriram de lama e o chão abaixo dele se tornou molhado e frio – ele alcançara o antigo cano em desuso que levava às câmaras subterrâneas de Noxus, a maioria delas conectada à rede de esgoto.

Não é a primeira vez que o Kavyn faz isso, pensou Talon enquanto a passagem se inclinava pra baixo. Com a dor em seu estômago e a fraqueza em seus membros, ele não podia evitar lembrar das vezes em que teve sucesso sozinho, se virando sem depender de mais ninguém.

Finalmente, o cano se abriu sobre uma pequena câmara, seu espaço cheio de móveis improvisados e lixo. Ao longe, abaixo do canto oeste da câmara, onde uma queda livre tomava o lugar de uma parede, um rio fétido carregava o esgoto Noxiano para fora da cidade. Talon se retorceu no espaço apertado do cano e pulou pra baixo.

“Você voltou!”

Talon se virou. Kavyn estava em pé contra a parede abaixo da boca do cano, acendendo um fósforo. A chama cintilante revelou um garoto não muito mais velho que o próprio Talon e tão desarrumado e sujo quanto, seu cabelo castanho bagunçado e emaranhado em sua cabeça.

“Onde você estava?” rosnou Talon.

“Não importa,” Kavyn jogou o fósforo aceso em uma pequena pilha de lixo atrás dele, que instantaneamente pegou fogo e lançou uma luz tremeluzente na câmara. “Você conseguiu alguma coisa?”

“Uma sacola de frutinhas de Kumungu,” a voz de Talon era fria. “Eu deixei cair – enquanto corria.”

Ele viu um resquício de desconforto na expressão de Kavyn, e seus olhos se voltaram para uma pequena e quase vazia caixa em um canto da câmara, onde eles costumavam guardar sua comida roubada. “Ah.”

Onde você estava?

O outro garoto levantou as mãos. “Só espera,” ele disse. “Eu tenho uma coisa.” Kavyn puxou seu cinto de couro esfarrapado, revelando duas bainhas que Talon nunca tinha visto antes. De dentro delas, Kavyn tirou um par de adagas curtas. Suas lâminas brilhavam como ouro à luz do fogo, e os olhos de Talon se abriram mais.

“Escuta,” disse Kavyn, desviando o olhar cobiçoso de Talon. “Podemos vendê-las. Não importa se você perdeu a comida.”

Talon se ouriçou, mas o comentário lhe incomodou bem menos do que deveria. Ele olhou de volta para as adagas, que Kavyn segurava planas em suas palmas como se fossem abri-lo se ele mexesse um dedo.

“Eu roubei de um bêbado perto da taverna do mercado,” Kavyn explicou. “Foi lá que eu fui. Eu pensei – bom, vamos ter o que comer por uns dias com elas, né? E...”

Ele continuou a se explicar, mas Talon não o ouvia mais. Ele estendeu uma mão em direção a uma das lâminas. Enquanto a segurava, Talon tornou-se imediatamente ciente de sua qualidade ruim, seu peso desequilibrado, das farpas em seu punho. Mal servia para cortar carne, muito menos usar em combate. A lâmina tinha três fendas gastas e Talon gentilmente passou o dedo sobre elas, o suficiente para sentir sua afiação – um, dois, três. Ele estava possuído pela sensação dela em sua mão. A lâmina lhe fortalecia.

Kavyn tinha parado de falar e se virou para tirar as batatas restantes da caixa. Eu quase fui pego por causa deste garoto tolo, pensou Talon, o fogo amargo e cheio de ódio aceso novamente dentro dele. Ele sabia que teria inevitavelmente sido morto, pois assim era em Noxus.

Talon passou os dedos pelas fendas da lâmina novamente. Assim era em Noxus... ele ouvira isso antes, em sussurros nas ruas. Os mais fortes encontram o caminho pra fora da sarjeta. Armas eram coisas cobiçadas, armas – mesmo um simples par de adagas – eram a chave da sobrevivência. Outro sussurro, um que ele ouvira muitas e muitas vezes, ecoou em sua mente: Os fortes dependem só deles mesmos.

Talon segurou a lâmina em seu punho e correu para a frente, estendendo a mão para colocar a adaga contra a garganta de Kavyn...

...mas o garoto se virou e agarrou o pulso de Talon, bloqueando seu ataque. Talon ficou ali em choque. Isso está errado, pensou. Ele lembrava do sangue em suas mãos, lembrava de jogar o corpo no esgoto – o primeiro de muitos.

Kavyn falou, mas a voz não era dele: “Por que você quer entrar para a Liga, Talon?”

“Pelo General du Couteau,” disse Talon. A câmara do esgoto começou a se esvair em escuridão em torno dele. Talon sentiu o peso de seu manto laminado voltando sobre seus ombros, a ilusão se desfazendo. “Minha busca me trouxe aqui.”

“Você luta por si,” disse o invocador imitando a forma de Kavyn. “Você não tem aliados. Você mata para sobreviver, e ainda assim segue aos pés desse general desaparecido como um cachorro numa coleira. Por quê?”

Talon tentou desvencilhar seu braço, mas se viu paralisado não só pela força física do invocador, mas por alguma espécie de intervenção mágica. “Estou em dívida com ele. O general poupou minha vida...”

“Sua dívida não está paga? Depois de derramar o sangue do garoto chamado Kavyn, você jurou lealdade a ninguém. Você matou sem remorso, e apesar de matar para du Couteau até o dia em que ele desapareceu, você agora pode ter liberdade se a quiser. Por que quer entrar para a Liga, Talon?”

“Você não entendeu,” chiou Talon. “Nas favelas de Noxus eu matava para sobreviver. Eu matava em nome de du Couteau, mas minha vida era minha. Agora – não sou nada, e ainda assim tenho minhas lâminas. Que outro propósito minhas lâminas podem servir?”

“Como se sente, expondo sua mente?”

O invocador o soltou. Talon agarrou seu manto e desapareceu na escuridão, deixando a Câmara da Reflexão em silêncio absoluto. O invocador olhou para os lados, irritado, e congelou quando a lâmina de Talon surgiu em sua garganta.

“Desagradável,” Talon grunhiu em seu ouvido. “Necessário.”

E então ele se foi.

Nenhum comentário:

Postar um comentário