sexta-feira, 14 de outubro de 2016

História Arquivada: Julgamento - Miss Fortune










Candidata: Miss Fortune
Data: 31 de Agosto, 20 CLE

OBSERVAÇÃO

Miss Fortune adentra o Grande Salão com a mesma tenacidade com que veste sua blusa de seda – ambos sobrecarregados, tentando contê-la. Ela parece apertada por de qualquer estrutura que não esteja flutuando pelo oceano salgado. 

Seus olhos trafegam pela filigrana no teto com desdém, o trabalho dos melhores artesãos de Valoran um patético substituto para a colagem celestial do céu noturno. O balançar desaprovador de sua cabeça seria imperceptível se não fosse exacerbado pelo chacoalhar de seu tricórnio decorado, o acessório principal de um capitão. Uma avalanche de mechas cor de cereja cai chapéu abaixo, envolvendo seus ombros em ondas escarlate. Cada traço seu comanda a atenção, uma arma tão – ou talvez mais – potente quanto os enormes mosquetes decorados a ouro afixados em seus quadris.

Ela balança pelos ladrilhos. O impacto de cada passo ondula as curvas de sua silhueta; a distração de sua beleza ampliada em movimento. Pode-se praticamente ver os corações daqueles que a observaram seguindo seus passos.

Uma inscrição paira no alto: O verdadeiro oponente está no interior.

O canto de seus lábios se contrai, quase um sorriso. Com graciosidade incomum, ela tira um mosquete de seu coldre, o gira uma vez em torno de seu dedo, e o faz parar com a palavra "oponente" em sua mira. Seus lábios articulam um estalo silencioso, e a arma é posta de volta em seu coldre. Ela não perde mais tempo.

REFLEXÃO

Com as mãos nos quadris, Miss Fortune bateu levemente o pé, impaciente, no escuro. Esta era uma tática juvenil. Se a Liga recorria a artifícios como fumaça negra para seus testes, talvez ela nunca devesse ter aportado. Seu pé afundou no meio de um pensamento. Ela quis recuar, mas uma sensação familiar a sufocou de todos os lados.

Ela não se ouviu gritar, mas viu quando bolhas levavam o som embora. Água? Ela se debateu, seus membros buscando algo sólido. Jardas acima, ela viu o prisma de luz dançante da superfície. Ela nadou desesperadamente, mas a luz permanecia distante – algo estava errado. Mais bolhas. A pele de sua perna puxava, pedindo atenção. Com o ar precioso se esvaindo, ela arriscou uma olhada e encontrou o problema. Algas enraizadas agarravam seu tornozelo firmemente, aparentemente cientes de sua presa. Ela tentou arrancá-las, mas as pegajosas algas não a largaram. Sem tempo, Sarah Fortune observou enquanto as últimas bolhas flutuavam felizes água acima, menores e menores, até o sal fazer seus pulmões arderem. Ela se sentiu estranhamente em paz quando sua visão escureceu.

Estou indo, mãe.

Os lados de Sarah se contorceram em agonia. Uma torrente jorrou de sua boca. Certa de que veria suas entranhas, ela abriu os olhos. Ela tentou focar sua visão; o dilúvio não tinha a cor que ela esperava. Vinhas embaçadas emoldurando sua visão se fundiram em mechas de cabelo derrotadas, flácidas, penduradas em torno de seu rosto. Suas mãos se fincaram na areia. Sua mente ligou os pontos: ela estava ajoelhada na praia e a poça à sua frente era de água salgada espumante ao invés de entranhas. Seus pulmões, lutando contra seu estômago, forçaram-na a inalar antes de vomitar novamente.

"Tu estás bem feia pra uma meretriz nova. Agora há pouco tava certo que tu ias ser isca de tubarão."

Uma cuspidela de gotas salgadas foi a melhor resposta que Sarah pôde articular. Seus olhos se fixaram na fonte, um garoto espalhafatoso, e ela caiu de costas. Seu cabelo cor de ônix e sorriso lascivo eram inconfundíveis, mas ele era novo demais.

"Como..."

"Tu tens sorte. Tava caçando sereias. Pensa que triste quando vi teus bagos."

A respiração dela encontrou ritmo. "Eles não decepcionam a muitos."

"Eles até têm forma, mas vi melhores."

Sarah se levantou, trôpega, roupas molhadas coladas em seu corpo. "Não existem melhores."

O garoto gargalhou. "Então, qual a recompensa por pescar-te do mar?"

"Obrigada?"

"É, um bom agradecimento talvez, mas não é recompensa, de certo." Ele apontou para a cabeça dela. "Que tal isso?"

Ela tocou seu cabelo, e seus dedos tocaram um objeto liso. Ela retirou um pente perolado, feito com uma concha. O pente de sua mãe? Ela o examinou, duvidosa; uma epifania formou-se em sua mente. Ela abriu a boca, mas antes que pudesse falar, o garoto fechou a distância entre eles e roubou um demorado beijo. Seu subconsciente explodiu, entendimento chegando à superfície.

Esta praia, este garoto... o dia em que sua mãe morreu.

Ela havia perambulado para fora de sua casa, ensopada com o sangue de sua mãe. Adentrando no mar, ela estava vagamente ciente das nuvens carmesim pincelando suas roupas. Ela mergulhou sob a superfície e gritou, tentando trazer sua mente de volta à realidade. Sob as ondas, suas lágrimas ou se uniram ou formaram o oceano em torno dela, ela não conseguia discernir.

Naquele dia, o garoto estava esperando nas margens. Sob outras circunstâncias, ela teria se perguntado há quanto tempo ele estaria ali; talvez até enrubescido. Mas ela apenas olhou fixamente, exausta demais para pensar sobre sua presença. A boca dele se movia, mas seus ouvidos se negavam a compreender o som. Então ele se juntou a ela entre as ondas e a beijou, uma volta confusa adicionada ao percurso estonteante de suas emoções.

O garoto se afastou com o pente de sua mãe nas mãos, rindo. Um dia ele seria um pirata brutal. Com o prêmio, ele saiu meneando, suas botas carimbando a areia. Ele se virou, segurando o pente no alto, e gritou, "Vem pegar!" Ele então riu, desaparecendo sob velas negras que pontilhavam a costa ao longe.

Estranhamente inspirada, Sarah se encheu com novo propósito. Assim que enterrasse sua mãe, e queimasse sua casa, ela iria desfrutar de pegar seu pente de volta.

A memória retrocedeu, e Miss Fortune se afastou bruscamente do abraço do garoto.

"Quem é você?!"

"Por que você quer entrar para a Liga, Miss Fortune?" O sotaque de marujo havia sumido.

"O quê?"

"Por que você quer entrar para a Liga?"

"Eu... poder e pilhagem."

"Por que você quer entrar para a Liga?" Cada sílaba era fria.

O bater das ondas enchia o silêncio.

"Preciso encontrá-lo."

"Como se sente, expondo sua mente?"

Miss Fortune deixou que a pergunta ficasse no ar. Afogada e cansada, cheia de perguntas, ela de alguma forma se sentia revitalizada.

"Obrigada."

A luz encheu sua visão, e o corredor estava à espera. As portas de mármore atrás dela lhe ofereciam um escape. Ela riu da ideia. Não importa a situação, Miss Fortune sempre consegue seu homem.

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